Assaltos a ônibus em Salvador: Como solucionar?
- Erem Carla e Yan Passos
- 6 de dez. de 2017
- 10 min de leitura
Tensão, medo, pressa, olhar 360º... coisas que vão fazendo parte da vida de muita gente – senão todos – nos últimos anos. A violência vem aumentando de forma incontrolável e todos terminam sendo induzidos a fazer desses sentimentos seus companheiros de viagem.
A proporção é tamanha que o povo tem sido obrigado a descartar alguns de seus sonhos; seja ele o mínimo que parecer, como ter um celular de última geração. A frase mais conhecida é: Vou comprar para dar ao ladrão? Uma fala que não deveria estar presente na ponta da língua de nenhum cidadão, que deve ter, por direito, segurança.
"Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal", é o que garante o Artigo 3º, da Declaração dos Direitos Humanos. Além disso, o Artigo 5º afirma: Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Para trazer à tona a discussão sobre os casos constantes de assaltos nos transportes coletivos de Salvador e a importância de se pensar – e pôr em prática – acerca das medidas combativas de forma mais intensiva, daremos início a uma série de reportagem em que abordará dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP); relatos de vítimas; a (in)eficácia das blitzes e outras estratégias da polícia que visam conter a ação dos bandidos. Afinal, Assaltos a ônibus em Salvador: Como solucionar?
VÍTIMAS
CASO 1: “Um certo dia peguei o ônibus Canabrava/Comércio (1348) e então, passando ali, antes de subir a Ladeira da Montanha, entraram quatro homens – dois sem camisa e dois vestidos. Eles entraram de graça porque o motorista deixou que pulassem a catraca. Eu estava com os meus primos e quando a gente viu eles entrarem, a gente escondeu o celular... tiramos o fone... tudo o que pessoas normais fazem.
Só que desceram três e ficou um. Esse um estava de calça, chapéu, óculos e camisa social. Aí tudo bem, ele disse que ia soltar [descer do ônibus], mas quando viu que tiramos o celular, ele deu voz de assalto. Me empurrou para o canto do ônibus e pediu meu celular. Como não vi se ele tinha arma ou não, tive de entregar meu celular. Meu primo viu que ele não estava armado e não quis dar. O ladrão pulou em meu primo, que terminou caindo e começaram a trocar socos.
Ao invés do motorista chamar alguma viatura... parar ali perto do Departamento de Polícia, que fica ali perto da Lapa, ele levou direto. Nisso, o ladrão fez várias ameaças a gente, dizendo que iria nos matar. Quando chegou na Lapa, minha mãe entrou no ônibus e viu o bandido falando comigo e com o meu primo e também quis bater nele, mas o cobrador não deixou e nem eu; segurei minha mãe. Então ele disse que ia fazer isso e aquilo, disse que ia dar tiro e ‘tals’ e que andava com o povo da Vila Mar.”
O entrevistado, que não quis revelar sua identidade, contou que, na fuga, o criminoso pulou da janela do ônibus, que estava em movimento enquanto passava pela região do Dique do Tororó.
CASO 2: “Eu estava no ponto lá em São Cristóvão para pegar o ônibus para descer na Estrada Velha [do Aeroporto], depois do Setor C, de Mussurunga [...] Quando peguei essas topiques (São Cristóvão/Cajazeiras) da STEC [Subsistema de Transporte Especial Complementar], entraram dois jovens da minha idade, um branco e um negro. Um ficou no fundo e o outro, à frente, ao meu lado. O do meu lado estava armado.
Quando chegou ao ponto que eu iria descer, o da frente deu voz de assalto, aí, no caso, eu fui o primeiro a ser roubado porque eu estava ao lado dele. Eu ando com o celular da empresa e o meu. Só que o meu eu deixo dentro das calças e o da empresa eu deixo no bolso [...] Tinha um cidadão sentado... pegaram o celular dele e fizeram ‘a limpa’ na topique. Teve uma senhora lá que passou mal... Eu iria descer no ponto da Estrada Velha, mas eles mandaram o motorista seguir [...].
Eles estavam acostumados a roubar lá, porque 15 dias antes eles haviam roubado outra pessoa. Conversando com ela, eu consegui identificar que eram eles. Eles deviam ter 1,70m, eram secos... magros... um tinha tatuagem na perna e outro não”, disse Igor Lauriano, de 24 anos.
MEDIDAS PROTETIVAS: BLITZES
Embora existam medidas que visam conter a ação dos bandidos, dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), de janeiro a agosto deste ano, revelaram foi um número alto. Os casos atingiram uma média de oito por dia. Com isso, em cerca de 245 dias, foram mais de 1.960 assaltos, desconsiderando os que não foram registrados.

Foto: Correio 24h
“Blitz só tem uma vez na vida”, criticou um entrevistado, que não quis se identificar. Segundo ele, os agentes são muito agressivos. “O policial me colocou para trás, em eu ter nada, estava indo para o curso, umas 16h, passando pela região de Pituaçu. Devem continuar [as blitzes], mas precisam melhorar bastante”, revelou. “Um policial em cada ônibus ou dois em cada ponto [de ônibus] ajudaria muito”, sugeriu. A população também reclama que a ação não para todos os veículos, além de congestionar as vias, em ambos os sentidos.
LINHAS DE ÔNIBUS: PREFERÊNCIAS DOS BANDIDOS
Em conformidade com a série de reportagens “Passageiros do medo”, da TV Bahia, as linhas de maior preferência dos criminosos são as têm um trajeto maior pela cidade. Ônibus que trafegam pelas avenidas Mario Leal Ferreira (Bonocô); Luís Viana Filho (Paralela); Antônio Carlos Magalhães (ACM); Oceânica (Orla de Ondina) e Afrânio Peixoto (Suburbana).
Confira as empresas:

Foto: Correio 24h


Foto: Correio 24h

Foto: Integra
CASOS TÊM QUEDA NO SEGUNDO SEMESTRE DO ANO
Em Salvador, o período de primeiro a 30 de outubro deste ano teve uma redução de 18,5% no número de assaltos em ônibus, comparado com o mesmo período do ano anterior. Foram 236 ocorrências no ano passado, contra 176 nesse mês. Os números seguem a tendência de queda já registrada em agosto desse ano. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, publicados no último domingo (5).
De acordo com o delegado titular do Grupo de Repressão a Roubos em Coletivos (Gerrc), José Nélis, mesmo com todas as adversidades, a atuação conjunta e esforço de policiais civis e militares começa a apresentar resultados. “As imagens das câmeras de segurança dos coletivos, por exemplo, são muito ruins, isso quando estão funcionando. E isso dificulta o trabalho de identificação dos assaltantes”, afirma Nélis, lembrando que as ações de inteligência, localizando bocas de fumo onde os assaltantes trocam os celulares roubados por drogas, por exemplo, vem resultando em diversas prisões.
Contudo, para o titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR), responsável pelo Gerrc, delegado Nilton Tormes, a realidade é mais dura. “Acredito que há uma subnotificação. Algumas pessoas têm compromissos e não vêm à delegacia”, argumentou. A média dos valores roubados é de R$ 96,20.
MOTORISTA COMENTA SOBRE A LIBERAÇÃO DA ENTRADA DOS AMBULANTES
“Eu rodo Santa Cruz/Aquidabã, que é a linha da CSN [Concessionária Salvador Norte]. Sobre ambulantes nos coletivos: acho que pela crise que o país está passando eles recorrem a esse trabalho para levar o pão para casa. Eu acho justo, mas as empresas não autorizam... só apenas a entrada dos cadastrados – os que têm coletes. Sabemos que já foram... o prefeito ACM Neto fez o cadastramento, mas não foi adiante. Hoje mesmo, praticamente ninguém anda com o colete. Mesmo assim a gente libera [os motoristas], não porque a gente quer e sim pela necessidade que o país está passando”.

Foto: Reginaldo Ipê / Câmara Municipal de Salvador
O motorista, que não quis ter a identidade revelada, ainda revelou o medo que sente em não liberar a entrada de alguns ambulantes não cadastrados. O questionamento surgiu em referência ao caso em que uma mulher se jogou do ônibus – que trafegava pela Avenida Tancredo Neves, em Salvador – após um homem, acompanhado de um casal, estar disfarçado de ambulante (com uma caixa de isopor, onde guardava a arma).
“Com essa insegurança que a gente vive no transporte coletivo... sempre a gente tem medo, ‘né’? Mas a gente vive a vida do jeito que Deus quer”, desabafou. “As blitzes são bem legais e ‘tal’, mas dependem muito das empresas [...] Colocar segurança em todos os ônibus não vai poder, ‘né’? Porque isso aí já é um problema corriqueiro do país. Então medidas mesmo só quando mudar as leis, quando mudar o Código Penal”, sugeriu ao mencionar sobre as medidas combativas da polícia, que visam conter a ação dos criminosos.
Ele criticou o fato de as blitzes serem realizadas apenas em alguns pontos da cidade (em bairros nobres), sendo que, segundo ele, deveria haver mais em bairros periféricos já que a violência nesses locais costuma ter um índice maior. Preocupado com isso, o entrevistado chegou a afirmar que o valor investido em blitzes deveria ser revertido em outras medidas mais eficazes. “É muito difícil saber onde ‘tá’ o criminoso... é muito difícil”, disse.
TIA ERON: PRECURSORA NA LUTA PELA FORMALIZAÇÃO
Conhecida por estar engajada na luta por diversas causas sociais, Tia Eron esteve na linha de frente em prol da formalização dos baleiros para que pudessem ter acesso aos transportes coletivos da capital baiana. Enquanto vereadora, após quatro mandatos consecutivos, ela conseguiu a vitória para a classe. Em contato para tratar sobre o assunto, não fomos respondidos pela assessoria.
A LUTA PELO PÃO DE CADA DIA
Confira o vídeo:
Vídeo: Reprodução / YouTube / Tia Eron
VÍTIMAS
CASO 3: “Eu peguei o ônibus Castelo Branco/Pituba para ir trabalhar, quando passamos pela Estação Rodoviária, que é onde, geralmente, o ônibus fica vazio. Entrou um rapaz de calça, tênis, camisa polo, sem boné e com o cabelo cortado. Ele sentou ao meu lado, eu estranhei porque no ônibus tinham poucas pessoas. Tentei ficar tranquila, mas senti um incômodo e tive medo até de estar sendo preconceituosa.
Após o Detran [Departamento de Trânsito], ele me olhou e me disse “Jesus te ama” e começou a me questionar sobre minha religião. Contei que era evangélica e ele disse que também frequentava a igreja. Depois que passamos da Rótula [do Abacaxi], ele me perguntou novamente sobre minha religião e disse: “É porque eu ia te assaltar, mas eu não vou te assaltar mais não porque essas pessoas que são assim evangélicas a gente não faz nada não, mas você prefere a sua vida ou o seu celular?”.
Algumas pessoas que estavam no ônibus perceberam e pediram ponto. Ele continuou me questionando e eu disse que nem celular eu tinha, ele ficou nervoso e me falou que se eu continuasse mentindo iria pegar a arma e estourar minha cabeça, que ladrão sabe quem tem celular e quem não tem.
Começou a ameaçar assaltar todos os passageiros do ônibus e disse que se tivesse blitz eu ia ter que segurar a arma dele. A todo instante ele falava alto sobre igreja na intenção de disfarçar e citava versículos e ao mesmo tempo ameaçava me matar e matar algum passageiro. Depois de um tempo pediu para eu pegar meu celular disfarçadamente e passar para ele e depois pegar minha “bolsinha do dinheiro”, onde tinha 15 reais e ele pegou R$ 10 – os outros R$ 5 ele deixou para eu “pagar minha passagem”.
Insisti para soltar do ônibus e me fez jurar que não ia fazer nenhum escândalo. Ele disse que íamos descer juntos e seguir para lados diferentes; concordei e descemos. Segui meu caminho nervosa e agoniada. Foi horrível, uma pressão psicológica que começou no Detran e perdurou até o Caminho das Árvores”, contou a vítima, que não quis se identificar.
DESCRIÇÃO DO CRIMINOSO
“Ele era moreno claro, magro, alto, cabelo preto cortado estilo moicano baixo, os dentes estragados, o olho grande a sobrancelha estava cortada, disse ter 21 anos e ser frequentador da Primeira Igreja Batista do Brasil (PIB)”. O crime aconteceu no dia 16 de outubro e a vítima disse não ter prestado queixa.
O PONTO DE VISTA DO AMBULANTE
O Diário dos Redatores conversou com uma vendedora ambulante, que não quis ter a identidade revelada. Ela trocou o emprego de carteira assinada para trabalhar nos ônibus de Salvador e já atua há 13 anos no ramo.
LEGENDA: DR (Diário dos Redatores) e A (Ambulante)
DR: O que te levou ou porque decidiu trabalhar nos transportes coletivos?
A: Eu tinha um trabalho de carteira assinada. Só que minha filha era pequena e eu não tinha muito tempo para ficar com ela. Como meus primos e meus irmãos já trabalhavam eu decidir fazer o teste para ver e acabou que deu certo.
DR: Você pediu demissão do emprego para trabalhar nos ônibus?
A: Não, eu saí um dia... aí... para não perder os benefícios eu voltei e fui demitida por justa causa.
DR: Você começou vendendo que produto e depois mudou para quais outros e por quê?
A: Comecei com queimado [bala]; depois chocolate; CD e, agora, produtos eletrônicos.
DR: Você tem conhecimento de que existe uma associação que formaliza o trabalho de quem vende em ônibus?
A: Eu fui cadastrada logo quando saiu [surgiu] a Unibal [União dos Baleiros de Salvador]. No tempo que eles começaram isso era um projeto que eles queriam para os trabalhadores... só que era meio complicado.
DR: Com a conquista, através da antiga vereadora Tia Eron, o trabalho foi formalizado. Você usa o colete? Já resolveu?
A: Eu lembro que no começo ela que “tava” à frente desse projeto. Eu sempre usei [o colete], agora que não é mais preciso, mas antigamente eu usava. Tem número, crachá... tudo direitinho.
DR: Por que não é mais preciso?
A: Antigamente tinha a associação – tem a associação, 'né'? –, aí a gente usava. Aí cada etapa era uma cor diferente e aí nunca mais fizeram... não sei se ainda estão fazendo... nunca mais eu vi ninguém usando. Aí hoje não é preciso pela demanda também... porque são muitos vendedores e antigamente era preciso porque eles [os motoristas] barravam a entrada e hoje eles não barram mais. Aí pode entrar qualquer um.
DR: De que maneira o caso do “baleiro disfarçado” prejudica o acesso dos ambulantes nos ônibus?
A: Desse caso eu não soube. Eu soube de um que o cara entrou com uma caixa de chocolate, fingindo ser baleiro. Aí dentro da caixa tinha uma arma e ele assaltou o ônibus. Por causa disso muitos [os motoristas] não querem levar, mas ainda assim estão levando e para mim é fácil por ser mulher. Aí também vai das vestimentas, porque o jeito de trabalhar também voga muito.
DR: Para evitar novos casos como esse, você acredita que o uso do colete seria melhor?
A: Não. Isso não mudaria em nada. Muitos até que não são cadastrados adquiriram o colete e não era difícil de ter. Então isso aí não voga nada não.
DR: Como tinham acesso aos coletes sem o cadastro?
A: Às vezes de parentes que deixavam de trabalhar... arranjavam emprego fixo, aí dava a amigos... um passava para o outro. Porque o crachá não era obrigatório, o que era é o colete. Aí muitos clonavam, tirava xerox, tipo isso... fazia um quase igual e entrava.
DR: Com as vendas, dá para sustentar a família e viver bem ou dá somente para pagar as contas?
A: Com as vendas de hoje não, mas com a de uns dois anos atrás, antes dessa crise, dava tranquilo para sobreviver. Eu já penso em parar e montar um negócio diferente. Muita gente trabalhando [nos ônibus] e ficou meio complicado.
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