Portaria muda a definição de trabalho escravo e é alvo de críticas
- Lorena Sampaio e Marcus Rodrigues
- 3 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Em entrevista ao Diário dos Redatores, o advogado Efson Lima esclarece algumas dúvidas sobre o ocorrido.
A mudança assinada pelo ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, descarta cerca de 640 ocorrências de investigação de trabalho escravo, de acordo com o MPT. Foram três critérios excluídos, o de manter trabalhadores sob condições degradantes, jornada exaustiva e trabalho forçado. A portaria 1.129/2017 que foi publicada no dia 16 de outubro, além de mudar o conceito de trabalho escravo, restringiu ao ministro do trabalho a divulgação da chamada “lista suja”.
Órgãos como Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criticaram severamente a portaria. O MPT afirma que continuará atuando da mesma maneira, pois acredita que a medida adotada é ilegal.
Outras personalidades políticas como o Deputado estadual Carlos Bezerra e a Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sustentam que é um retrocesso, pois essa atitude é uma violação democrática e mostra o descompromisso do governo com relação aos direitos humanos.
Numa entrevista concedida ao Diário dos Redatores, o mestre em direito, Éfson Lima, formado pela Universidade Federal da Bahia, esclarece algumas dúvidas e expõe suas opiniões sobre o assunto.
DR: Apesar de ter sido o último país da América Latina a abolir a escravidão, o Brasil tornou-se modelo no combate ao trabalho escravo nas últimas duas décadas. O que você acha das mudanças que a portaria quer implementar?
A portaria editada pelo Ministro do Trabalho viola, sem dúvida alguma, os direitos fundamentais. Portanto, o Estado precisa zelar por esses direitos. Essa portaria vem no sentindo de mostrar um retrocesso. Em hipótese alguma nós devemos permitir que um trabalho seja exercido em condições degradantes ou que sua liberdade seja privada.
DR: O Ministério do Trabalho afirmou que a portaria "aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro" no combate ao trabalho escravo. O que você tem a dizer sobre isso?
Essa portaria veio numa perspectiva de atender determinados interesses de um grupo hegemônico e não os interesses de uma população vulnerável. A segurança jurídica preconizada nos termos da portaria é verdade, porém essa segurança é para as empresas que estão na "lista suja". Veio fazer segurança jurídica para quem? Para grandes latifundiários? A segurança jurídica veio para atender um determinado grupo.
A portaria extingue um avanço que não está só previsto na Constituição, ela viola também as normas internacionais. Essa portaria em momento nenhum traz segurança jurídica para esse grupo de trabalhadores. Eu não posso falar de segurança jurídica favorecendo o lado mais forte e desfavorecendo o grupo que é mais vulnerável.
DR: Houve especulações que a mudança só ocorreu como resultado de negociações do presidente Michel Temer com a bancada ruralista, para a obtenção de votos a seu favor em relação à denúncia votada na câmara recentemente. Qual a sua opinião com relação a isso?
Essa foi uma especulação gerada pela mídia, porém essa teoria pode ser sustentada. Na ausência de recurso financeiro o presidente articulou uma agenda agressiva e conservadora junto aos deputados, seja nas questões ambientais numa redução dos valores das multas ou no caso em questão. Essa portaria sinalizou a forma do governo armar uma bancada a favor dele. Esse tipo de barganha é péssimo. Quando chega na pauta de direitos humanos isso nos deixa envergonhados, pois mostra o quanto a composição daquele congresso nacional tem sido nociva ao povo brasileiro.
DR: A portaria altera procedimentos de investigação e de divulgação da chamada “lista suja” das empresas que usam esse tipo de mão de obra escrava, sem falar que o próprio ministro do trabalho estará encarregado de divulgar essa lista. Quais as consequências que isso pode gerar?
A lista tem uma importância, pois é uma forma de mostrar à sociedade as empresas que praticam trabalho escravo no país. Como ultimamente há um estímulo de um consumo consciente, a divulgação dessa lista é importante para que consumidor.
A ideia de que o ministro traz para ele essa responsabilidade é um culto ao personalismo, ou seja, é uma perspectiva de concentração de poderes. Não é o ministro que desenvolve o trabalho técnico são os auditores, portanto ele está evocando uma tarefa eminentemente técnica, sendo que não é função dele, sua função é política. O Brasil não comporta mais atitudes de uma sociedade semifeudal, precisamos ir em direção a outro paradigma mais contemporâneo pautado dentro dos valores de sociabilidade.
DR: Como forma de protesto a portaria n° 1.129/2017, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) paralisou suas atividades. Quais as possíveis consequências que essa forma de protesto pode trazer?
A postura dos auditores foi uma decisão tomada dentro de um ambiente democrático, porém preocupante porque para o governo brasileiro seria interessante que eles parassem suas atividades. Esse tipo de mobilização política é preocupante, mas é uma decisão que deve ser respeitada.
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